
O som de uma respiração sufocada e do batimento cardíaco se esvaindo, uma simbologia dos estragos fatais decorrentes do descaso com a pandemia no Brasil, abre o novo disco do Ratos de Porão, cujo título também vai direto ao ponto: Necropolítica.
Uma paulada que tem o governo atual — e a figura patética do nosso presidente — como alvo. A sensação é que, ao chegarmos ao subsolo do fundo do poço, nenhuma metáfora ou alegoria é capaz de tocar a consciência do que chamamos de ala conservadora da população, aquela que vive no cercadinho de asseclas de nosso mandante, berrando em júbilo como marionetes.
+ A volta explosiva da Nervosa
Necropolítica não alivia nas letras, não usa recursos de linguagem (eufemismos) para transmitir mensagens subliminares. Estão todas ali, claras, duras, iconoclastas e, às vezes, divertidas. Olha só um exemplo do que João Gordo e sua turma, que completam mais de 40 anos de carreira batendo forte contra o status quo, têm a dizer na música que abre o disco, Alerta Antifascista:
Viram na besta assassina um criminoso ultrajante
Alerta Antifascista, de Ratos de Porão
O mal representante da mentira, dor e caos
Genocida depravado, ditador que come gente
Um perigo eminente, mentiroso imoral
Ou o que é dito na faixa-título, Necropolítica:
Foda-se a vida, morte massificada
Necropolítica, Ratos de Porão
Vidas descartáveis, agenda macabra
Máquina racista
Desde o início da trajetória, com o lendário álbum Crucificados pelo Sistema (1984), passando por Século Sinistro (2014), o punk enérgico e irreverente do Ratos de Porão aponta para as garras do Estado, a truculência e repressão da polícia e o poder nefasto da religião como uma máquina de opressão do povo. Vê na anarquia um modo de vida para quem não aguenta mais ficar na sarjeta.

Passou muito tempo e, infelizmente, pouca coisa mudou. A esperança continua escorrendo pelo ralo, como sempre foi. E, agora, como num ato de urgência que não cessa, estão os caras de novo (liderados por um João Gordo mais magro, preocupado com a saúde, vegano, mas ainda com o espírito punk na veia) usando a música como ato de protesto.
Rock com conteúdo: Black Pantera contra o racismo
Ser rebelde, lutar pela liberdade e ir contra o sistema, breaking the law, faz parte da história do rock. É triste, no entanto, ver a atitude esvaziada de uma geração de roqueiros (com raras exceções) que canta sem alma, sem raiva, com medo de parecer transgressor demais, usando o sistema apenas como uma alavanca para o sucesso, indiferente à destruição que ocorre ao nosso redor.
(Necropolítica, apesar de parecer tão aderente aos últimos anos, não é um neologismo criado durante a pandemia. É um termo cunhado pelo filósofo e historiador camaronês Achille Mbembe, em 2003, que se refere ao uso do poder político, sobretudo do Estado, para determinar quem pode permanecer vivo ou deve morrer, atuando em contextos de precariedade e desigualdade. É como um se fosse uma maneira legítima de usar o poder da morte como um instrumento de gerenciamento de grupos e populações.)

Fechado o parênteses, voltamos à exceção dos roqueiros que têm o que falar. Além do Ratos de Porão, me chamou a atenção o som (e as letras) do trio Black Pantera, que nasceu em Uberaba (MG) em 2014, e lançou neste ano um ótimo álbum chamado Ascensão. A levada que mistura thrash com hardcore ganha peso com letras afiadas sobre racismo, discriminação, violência e política.
Aos poucos, os irmãos Charles (vocal e guitarra) e Chaene da Gama (baixo) e Rodrigo Augusto (batera) ganham espaço em uma cena carente de peso-com-conteúdo. Não à toa estão escalados para tocar no dia 2 de setembro no palco Sunset do Rock in Rio. Uma conquista expressiva para uma banda com apenas 8 anos de estrada.

Cada refrão do Black Pantera soa como grito de guerra. É assim com Fogo nos Racistas, na qual eles cantam “O lado negro da força aqui só fode com reaça; e eu digo na sua cara: fogo nos racistas”, e em Padrão É o Caralho, um manifesto contra os padrões impostos pela sociedade.
Sabemos que em momentos de crise severa que causam impactos negativos em grande parte da sociedade, como ditaduras, recessões econômicas e epidemias, brotam também vozes de resistência com o poder de transformar a realidade.
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