Pantera: como foi o primeiro show no Brasil da turnê de reunião da banda

Pantera no Vibra em São Paulo: primeiro show no Brasil depois de quase 30 anos (Foto: Camila Cara/30E)

Depois de Nevermind, do Nirvana (o primeiro CD que comprei na vida), Dookie, do Green Day, e Fear of the Dark, do Iron Maiden, dois álbuns do Pantera estão no topo da minha lista de mais ouvidos nos anos 1990: Cowboys from Hell e Vulgar Display of Power. Aos 12 anos, quando comecei a curtir mais as bandas de metal, eu colocava os CDs para girar no som do quarto, pegava uma raquete como se tocasse guitarra, e pirava!

O Pantera carregava, além da música poderosa, um estilo, uma atitude própria de metal misturado com caubóis texanos. As capas em preto e branco, a cena no bar com os integrantes ensandecidos, o soco na cara, os riffs limpos, lentos e pesados do Dimebag Darrell, o jeito brucutu do Phil Anselmo cantar, rasgando a voz.

Não à toa, eles fizeram história nos anos 1990 e hoje são considerados como uma das bandas de metal mais influentes para velhas e novas gerações. Quando ouvi no meio deste ano que eles realmente iriam se reunir, fiquei desconfiado e empolgado. Afinal, rolaram várias tretas no passado entre os irmãos Dimebag Darrell — assassinado por um fã no palco enquanto tocava em Ohio, em 2004 — e Vinnie Paul (morto em 2018), de um lado, e Phil Anselmo, de outro. Leia mais sobre isso abaixo.

Reunir o Pantera de novo, depois de longos 20 anos, seria uma homenagem ou uma afronta aos irmãos que fundaram a banda? O que os fãs achariam disso?

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Bom, nada melhor do que ver os caras ao vivo pra chegar a uma conslusão. Na quinta (15/12), aconteceu o primeiro show da turnê de reunião do Pantera no Brasil, graças aos esforços da produtora 30E, que, além desse evento, trouxeram da gringa o festival Knotfest, que rola no domingo (18/12). Dá pra ver a final da Copa entre Argentina e França e ir lá comemorar com o peso de Pantera, Judas Priest, Sepultura, Bring Me the Horizon, Mr Bungle, Trivium e por aí vai.

O que rolou no show de reunião do Pantera

Pantera de volta: primeiro show no Brasil rolou em São Paulo (Foto: Camila Cara/30E)

Mas bora falar do show de ontem que rolou no Vibra, em São Paulo. Foi uma mistura explosiva de quase todos os sucessos da banda, passando sobretudo pelos três álbuns mais celebrados pelos fãs: Cowboys from Hell (1990), Vulgar Display of Power (1992) e Far Beyond Driven (1994). A noite começou insana com A New Level, a guitarra de Zakk Wylde, um substituto de peso para Dimebag Darrell, embalando os saudosos headbangers. Comoção geral!

Na plateia, ficava nítido o perfil do público: tiozões já com os cabelos longos rareando no cocurutu, relembrando os momentos de adolescente, com o ciático fisgando de vez em quando. E, claro, jovens que descobriram que havia uma banda nos anos 1990 que foi um marco para os metaleiros.

O que mais impressiona logo de cara é a qualidade da voz de Phil Anselmo, o tempo não comprometeu seu vocal, que continua potente, forte, algumas vezes limpo para cantar baladas como This Love e Planet Caravan, lindo cover do Black Sabbath.

Depois de Mouth for War, outra paulada do Vulgar Display of Power, o Pantera colocou a galera pra bater cabeça com uma sequência de quatro músicas do Far Beyond Driven, talvez o disco mais maduro do Pantera e que conquistou as paradas do mundo todo quando foi lançado em 1994, encerrando essa parte do show com os fãs berrando em coro 5 Minutes Alone.

Infelizmente, por causa da Covid, o baixista da formação original, Rex Brown, foi substituído no show de São Paulo e provavelmente não vai se recuperar para o Knotfest. Mas o groove do Pantera, com as linhas de baixo e bateria dando corpo aos riffs e solos matadores de Zakk Wylde, continua sendo um ponto fora da curva dessa banda que foi reconhecida como um dos precursores do groove metal, um subgênero do thrash.

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Apesar das tretas do passado entre Phil Anselmo e os irmãos Dimebag e Vinnie (leia mais abaixo), a noite foi também um tributo aos dois, que foram mencionados algumas vezes por Phil e tiveram seus rostos estampados nos bumbos da bateria. Phil não é mais aquele cara explosivo de antigamente, caminhou pelos dois lados do palco de forma cadenciada, chamando os fãs para cantar junto e exaltando bandas como Judas Priest, que fecharia a noite histórica. Mas soou perfeito equilibrando a voz gutural, os gritos mais agudos e os trechos mais melódicos.

Depois de quase uma hora e meia de show, veio a esperada dobradinha para fechar a noite: Walk, que foi reiniciada a pedido do Phil Anselmo — que convocou o público para gritar mais alto — e Cowboys from Hell, música que virou a marca da banda texana, inclusive com as iniciais CFH decorando os dois lados do palco. Aí todo mundo cantou do início ao fim, batendo a cabeça em sintonia com dois dos riffs mais famosos da história do metal.

Confira o setlist do show de São Paulo (15 de dezembro de 2022):

  • A New Level
  • Mouth for War
  • Strength Beyond Strength
  • Becoming
  • I’m Broken
  • 5 Minutes Alone
  • This Love
  • Yesterday Don’t Mean Shit
  • Fucking Hostile
  • Cemetery Gates + Planet Caravan
  • Walk
  • Cowboys from Hell

Antes de 2022, o Pantera havia tocado no país em apenas duas ocasiões, o que tornou ainda mais especial a apresentação desta noite. Em 1993, eles vieram pela primeira vez ao Brasil para fazer dois shows no Olympia, em São Paulo. Era a turnê de lançamento do álbum Vulgar Display of Power. Em abril de 1995, eles voltaram ao país para mais dois shows em São Paulo e um no Rio de Janeiro, em turnê do álbum Far Beyond Driven.

A importância do Pantera para o metal

O Pantera é o maior expoente da segunda onda de thrash metal que varreu os EUA e o mundo nos anos 1990, após o sucesso dos pioneiros do gênero: Metallica, Anthrax, Slayer e Megadeth. Conseguiram a proeza de colocar a música pesada para tocar nas rádios, em festas, na MTV.

O próprio Rob Halford, lenda do Judas Priest que dividiu o palco com o Pantera na turnê de São Paulo, falou do importante papel da banda de Arlington, no Texas, como um divisor de águas:

O Pantera mudou as regras do jogo pra muita gente. O som deles era muito pesado, agressivo, e as músicas tinham melodias incríveis. Sem falar no guitarrista inacreditável, que tinha uma habilidade fora de série.

(Rob Halford em depoimento para o livro “Barulho Infernal”)

Peso que se misturava com melodias mais lentas, como nas faixas This Love e Cemetery Gates, e um estilo único de groove que ainda tenta ser copiado por diversas bandas do gênero. Alguns especialistas dizem que o Pantera criou o groove metal que iria influenciar o surgimento de outros gêneros, como o nu metal e o metalcore, que beberam na fonte dos texanos.

Turnê de reunião do Pantera no México, mais de 20 anos depois

Outras influências: o flerte com o glam rock

Nem todo mundo sabe, mas antes de estourar com Cowboys from Hell, em 1990, o primeiro álbum da “fase thrash”, os integrantes do Pantera meteram calça com brilhantina e maquiagem para evocar no palco bandas do chamado glam rock, como Mötley Crüe e Quiet Riot. Produzido pelo pai dos irmãos Abbott, o álbum Metal Magic, de 1983, é o primeiro da banda a seguir esse caminho.

Nessa época, ainda moleques, eles tocavam em ringues de patinação e festas. Depois, vieram outros discos com a mesma levada mais comercial. Até que um produtor da Mechanic Records, de Nova York, falou que eles não faziam sucesso porque misturavam vários estilos, se vestiam como os grupos de glam, tocavam coisas mais pop, outras com cara de metal melódico. Ou seja, não tinham identidade própria.

Fã de hardcore e metal, o vocalista Phil Anselmo chega à banda para dar essa guinada na carreira do Pantera. Depois que conquistaram fama com os discos mais pesados, eles passaram a subestimar ou mesmo negligenciar o início da carreira lá dos anos 1980.

As tretas internas e a trágica morte de DIMEBAG DARRELL

Em 1996, quando o Pantera lançou The Great Southern Trendkill, o disco mais pesado e destrutivo da discografia, as coisas não andavam nada boas para Phil Anselmo. Ele estava abusando das drogas, sobretudo das doses cada vez maiores de heroína, e comprometendo as turnês da banda.

Em um comunicado à imprensa em 1996, o próprio Phil Anselmo diz: “logo após um show bem-sucedido em Dallas, injetei uma dose letal de heroína no braço e morri durante quatro ou cinco minutos”. Depois, completa: “Os paramédicos chegaram e tudo de que me lembro é de acordar dentro de uma ambulância”.

Dimebag Darrell, do Pantera
Dimebag Darrell, guitarrista do Pantera que foi assassinado durante show em 2004

Esse episódio marcou o início do fim da banda. Vinnie Paul relembra que ele já não sabia como o Phil apareceria nos shows, se totalmente chapado ou nem daria as caras. A relação entre eles azedou de vez. Aos poucos, Phil se afastou dos outros integrantes e, destruído, começou a falar mal de todos da banda em entrevistas para canais de TV.

A situação ficou insustentável e os irmãos Dimebag e Vinnie partiram para um plano B, lançando uma nova banda, o Damageplan. Em 2004, saiu o disco de estreia, New Found Power, com participação especial de Corey Taylor, do Slipknot, e Zakk Wylde, lendário guitarrista do Ozzy que assumiu a posição na reunião do Pantera que passa pelo país.

Em dezembro desse ano, em apresentação do Damageplan em Columbus, Ohio, Dimebag Darrell levou três tiros na cabeça disparados por Nathan Gale, fã do Pantera e ex-fuzileiro naval que tinha esquizofrenia. A tragédia abalou o mundo do metal e acabou de vez com a possibilidade de uma volta do Pantera naquele momento. Documentários disponíveis no YouTube contam em detalhes a formação do grupo e o trágico fim no início dos anos 2000.

O tempo, no entanto, parece que resolveu algumas questões que ficaram décadas atormentando fãs, integrantes e seus familiares.

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