Faz tempo que tenho notado a grande quantidade de livros de suspense com a palavra “girl” no título. A começar pela série Millennium, do escritor sueco Stieg Larsson: The Girl With the Dragon Tattoo (2005), The Girl Who Played with Fire (2006) e The Girl Who Kicked the Hornets Nest (2007). Estou me baseando nos títulos em inglês, há algumas variações quando eles são adaptados para o português. O enorme sucesso conquistado por Larsson parece ter sido um abre-alas para uma avalanche de outras obras com “garotas” estampadas na capa.
Em junho de 2012, a escritora americana Gillian Flynn lançou seu terceiro livro, Gone Girl (Garota Exemplar, na tradução em português), e alcançou uma popularidade inesperada ao contar a história do desaparecimento de Amy no dia de seu aniversário de casamento. Vendeu naquele ano mais de 2 milhões de exemplares e liderou a lista de mais vendidos do New York Times. A trama virou um ótimo filme dirigido por David Fincher, com a atriz Rosamund Pike no papel principal, ao lado de Ben Affleck.

Outro sucesso estrondoso veio em 2015 com o lançamento de The Girl on the Train (A Garota no Trem, em português), da inglesa Paula Hawkins. Aqui, temos o ponto de vista de Rachel Watson, uma jovem desiludida de 30 e poucos anos que adora tomar um porre e aproveita o caminho de trem que faz diariamente para observar a vida de um casal cuja relação é supostamente perfeita, até ela testemunhar algo estranho e se envolver em um thriller psicológico.
Na mesma linha, com uma personagem tão forte quanto insegura no centro da trama, que se torna uma testemunha involuntária de um crime e parte para uma investigação pessoal, é o livro de A.J. Finn The Woman in the Window. Apesar de trocar o “girl” por “woman”, é uma obra que se enquadra nessa tendência.
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Foi o último livro que li dessa safra. Aos moldes de Janela Indiscreta, de Hitchcock, uma clara inspiração, a personagem principal, Anna Fox, sofre de agorafobia, um distúrbio de ansiedade que a impossibilita de sair de casa e enfrentar o convívio social. Quando se arrisca a pisar porta afora tem que abrir um guarda-chuva na sua frente para esconder a vista dos outros. Portanto ela fica presa na própria residência, tomando medicamentos tarja-preta, vinho e assistindo a filmes antigos. Não esconde os defeitos nem a insegurança, comportamento que também é comum à personagem de Paula Hawkins, e abusa de sarcasmo ao lidar com as situações da vida. Ela tem o hábito de espionar os vizinhos e, sem querer, percebe um episódio de agressão e crime na casa em frente à sua.
Esses são alguns exemplos que lembro de cabeça cujo título leva a palavra “girl”. Mas a lista é bem mais extensa e variada. Se lembrar de outros, coloque lá embaixo nos comentários.
Pode ser, claro, uma jogada de editores, que sugerem ao autor trocar o título de um livro para surfar na onda das tendências, alcançando mais leitores. Mas parece também um sinal dos tempos, reflexo de uma época em que as mulheres estão mais presentes no mercado editorial, escrevendo mais e construindo personagens mais reais (do dia a dia) e complexos, com as quais novas leitoras se identificam.
Nada mais natural do que mulheres escrevendo sobre mulheres e mudando, enfim, alguns vícios do gênero do terror e suspense: por exemplo, a garota indefesa que sempre corre do assassino e morre no final. As garotas criadas por Gillian Flynn e Paula Hawkins são bem mais complexas do que esse estereótipo. Apresentam camadas psicológicas mais profundas e são bem menos infantilizadas.
A escritora Nina Laurin escreveu um interessante artigo para o portal CrimeReads abordando esse fenômeno. Ela também lançou livros com as palavras “girl”, “wife” e “sister” no título, embora rejeite qualquer tipo de oportunismo na escolha. Laurin defende que essa tendência vai além de uma sacada de marketing e tem a ver com uma nova audiência feminina, entusiasta da cultura pop e de temas macabros.
Um estudo publicado pela revista FiveThirtyEight mergulha ainda mais a fundo no tema. Baseado em dados coletados pela rede de leitores GoodReads, o artigo identifica alguns números emblemáticos. De 2005, ano do lançamento de The Girl with the Dragon Tattoo, a 2016, a quantidade de livros de ficção com “girl” no título mais que dobrou, passando de 0,4% do total para 1%, de acordo com informações do GoodReads.
Outro dado mostra que 79% desse total de livros de ficção com a palavra “girl” no título foi escrito por mulheres e que, diferentemente de quando são escritos por homens, as personagens femininas não morrem no final. Ou seja, os homens matam mais as mulheres em seus romances.
Não sei se dá para dizer que se trata de uma nova fórmula dentro da literatura contemporânea, mas a verdade é que vem funcionando bem nas livrarias, com vendas vultosas. Como destacou Nina Lauren no artigo recomendado acima mesmo homens têm usado pseudônimos de mulheres para escrever livros de suspense com mulheres como protagonistas. É o caso do editor Dan Mallory, que usou o nome A.J. Finn para assinar a obra The Woman in the Window e, depois de um enorme sucesso, foi acusado de enganar as pessoas e mentir sobre sua vida pessoal. Para quem quiser conhecer essa história veja este artigo da New Yorker.
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