
Não conhecia a história dos cinco garotos negros que foram acusados de agredir e estuprar uma corredora branca no Central Park, em 1989. Em abril daquele ano, a jovem executiva de um banco, Trisha Meili, de 28 anos, saiu para um treino à noite e foi violentada. Ela foi levada ao hospital, onde ficou meses em coma.
Toda a suspeita recaiu sobre uma gangue que estava no parque, segundo algumas testemunhas, fazendo arruaça. Brigas e brincadeiras violentas eram comuns entre esses jovens. Cinco deles — Korey Wise, Raymond Santana, Kevin Richardson, Antron McCray e Yusef Salaam — prestaram depoimentos à polícia e, sob coação, confessaram o crime brutal. Acontece que a realidade não foi bem assim.
A série Olhos que Condenam, da Netflix, se debruça sobre o caso em um trabalho dramático e corajoso da diretora Ava DuVernay, que esteve à frente de produções como Selma e A 13ª Emenda, todas obras importantes no combate ao racismo nos EUA. São quatro episódios de uma minissérie que toca em feridas abertas, como o tratamento enviesado dado pela justiça americana aos negros.
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É inacreditável como o caso é encaminhado mesmo sem haver provas físicas, testes de DNA ou qualquer outra comprovação de culpa. Ava DuVernay aponta o dedo para um grupo de promotores que age de forma irresponsável e leviana, para o dizer o mínimo.

Se olharmos para o Brasil imagino que encontraremos inúmeros casos semelhantes, de julgamentos realizados às pressas, com decisões tendenciosas carregadas de preconceito tanto dos juízes quanto dos acusadores. O que a série Olhos que Condenam mostra é muito sério!
Se você prefere assistir sem saber os detalhes do caso melhor parar por aqui, pode ser que tenha um ou outro spoiler daqui pra frente.
Os meninos negros que circulavam pelo Central Park na noite do crime são levados para a delegacia aos montes e, acuados por policiais truculentos, são interrogados mesmo sendo menor de idade e sem a presença dos pais e dos advogados.
A tática dos policiais, elaborada em conjunto com os promotores, é fazer com que eles confessem que estupraram Trisha. É a maneira torpe de dar uma resposta rápida à sociedade e de endossar um preconceito arraigado no cerne do sistema judicial americano. Na dúvida, joguem as presas aos leões.
Desesperados e angustiados para escaparem de uma tortura mental na mesa de inquisição, eles confessam. Os próprios pais são coagidos a fazer com que os filhos “colaborem com as autoridades”. Todas as peças se movem em um jogo sujo no qual se destaca a figura da promotora Linda Fairstein (interpretada pela atriz Felicity Huffman), a supervisora da investigação que coordena todo o tabuleiro de ações. Ela ignora a necessidade de provas e conduz o processo rumo a um linchamento moral.
O ótimo trabalho dos jovens atores, em especial o de Jharrel Jerome, que interpreta Korey Wise, um dos suspeitos listados pela promotora, sustenta o peso dramático da história. Acompanhamos a trajetória de cada um desses jovens à medida que o enredo se desenrola. Aos poucos, o senso de injustiça cresce dentro de nós até se transformar em ódio.
Todos vão para o tribunal e, por decisão do júri, ainda que incongruências sejam assinaladas aos montes pelos advogados de defesa, inclusive a falta de digitais de todos os acusados no corpo da vítima, eles são condenados a até 15 anos de prisão.
A partir desse momento, a série mostra o martírio desses cinco jovens na prisão. Além de cumprirem pena por um crime que não cometeram, eles são agredidos e hostilizados por grupos de detentos que não aceitam a presença de estupradores por ali. Os anos se passam, eles crescem, mudam os atores e quase todos voltam para casa na tentativa de reconstruir suas vidas.
O destino de Korey Wise, o mais duro dos cinco, mereceu atenção especial dos criadores da série. Quase um episódio completo é dedicado a contar sua história. Como ele não aceita um acordo para cumprir a pena em liberdade, insistindo em sua inocência, Korey muda diversas vezes de prisão, é espancado por outros detentos, come o pão que o Diabo amassou na solitária — a única maneira de ficar longe dos outros detentos — e luta dia a dia para manter a sanidade.
Em 2002, 13 anos depois, um fato novo vem à tona e os juízes são obrigados a rever a condenação dos cinco garotos, que agora já são adultos tentando um novo espaço na sociedade.
Depois de assistir aos quatro episódios de Olhos que Condenam, recomendo um programa comandado pela apresentadora Oprah Winfrey que discute a série. A Oprah é uma das produtoras e, segundo a diretora Ava DuVernay, a principal entusiasta em colocar de pé esse projeto. Nesse complemento, ela conversa com os personagens reais dessa trágica história. Eles contam, emocionados, como conseguiram juntar forças para superar os traumas e reerguer suas vidas. São visivelmente afetados por toda a injustiça que ocorreu. Um deles diz que sua vida está arruinada para sempre.
Com o sucesso de Olhos que Condenam, os olhos se voltaram para a conduta questionável dos promotores do caso. Principalmente o nome de Linda Fairstein. Em artigo para o The Wall Street Journal, Linda tentou desmontar a credibilidade da série, alegando que faz um retrato falso de que os cinco acusados são totalmente inocentes e de que sua postura é intolerante e incompetente.
Depois de fazer fama como uma das principais promotoras dos EUA em casos de violência contra mulheres e crianças, Linda Fairstein conquistou reconhecimento como escritora de livros policiais.
Olhos que Condenam me fez lembrar de outro caso que correu de forma semelhante: o de West Memphis Three, no qual três adolescentes foram acusados, em 1993, de matar três homens em um suposto ritual satânico. O fato de gostarem de heavy metal foi usado em todo o processo como uma influência maligna na formação deles, responsável por motivar o suposto crime. Essa história virou o ótimo documentário Paradise Lost – The Child Murders at Robin Hood Hills, dirigido pela dupla Joe Berlinger e Bruce Sinofsky.
[…] é uma das melhores séries que eu vi neste ano, ao lado de Olhos que Condenam e Chernobyl. Já falei sobre as duas últimas aqui no […]
Assistirei,,.Parei a leitura no paragrafo recomendado ( spoiler ).Um abraco
Valeu por ser um leitor tão fiel do blog, depois me fala se gostou. Um abraço