Chernobyl: o terror é maior quando é real

Chernobyl
Chernobyl, da HBO, recria o maior desastre nuclear da história (Foto: Divulgação)

Chernobyl, a série da HBO que dramatiza um dos piores acidentes nucleares da história, ganhou força sem alarde, foi indo no boca a boca e se tornou o programa mais comentado depois do fim de Game of Thrones. No site IMDB, conquistou 9,6 pontos na opinião de mais de 230 mil usuários, o que a coloca como a série mais bem avaliada de todos os tempos.

São apenas cinco episódios de uma hora e pouco cada um. Por isso, em nenhum momento dá aquela sensação de que os produtores estão te enrolando, enchendo linguiça, desviando a sua atenção. Assisti como se fosse um filme longo. Não é suave de ver, pelo contrário, é dramática, aterrorizante e cruel. Mas muito bem-feita!

Apesar de contar a história do desastre nuclear ocorrido em 26 de abril de 1986 na antiga União Soviética (onde hoje é a Ucrânia), quando um reator explodiu e espalhou radiação por quilômetros, afetando a saúde de milhares de pessoas, Chernobyl é uma coprodução dos EUA e Inglaterra falada em inglês, com nomes conhecidos como Jared Harris e Emily Watson.

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O escritor Craig Mazin e o diretor Johan Renck (que dirigiu episódios de Breaking Bad e The Walking Dead) mergulharam em pesquisas sobre a tragédia, entrevistaram sobreviventes e, em alguns momentos, fantasiaram o enredo para além do que de fato aconteceu.

Conseguiram condensar a trama em torno de diferentes pontos de vista: de um cientista às voltas com questões éticas, de uma física corajosa, de uma mãe vítima da catástrofe, de burocratas do Comitê Central do Partido Comunista, de operários oprimidos a serviço de um Estado poderoso.

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Jared Harris interpreta o cientista Legasov em Chernobyl

O resultado é uma série impactante, ainda que pesada, e construída com muito cuidado — desde o visual de época esmaecido (os tons de verde pastel, o amarelado e o vermelho soviético), o clima tenso, as construções grandiosas que simbolizam o regime soviético e o roteiro que avança como um pesadelo. Em muitos momentos, o realismo transborda para a zona do terror. O efeito da radiação corroendo o corpo das vítimas, por exemplo, é digno dos filmes do canadense David Cronenberg.

Os limites do ser humano em uma situação de estresse e pressão

Mazin e Renck não têm pressa de contar a história, fornecem aos poucos informações para o público desvendar o motivo de tamanho desastre. Aos poucos, percebemos que nem tudo é tão simples como parece. Numa situação caótica, o limite do ser humano é testado constantemente: até que ponto somos solidários, até que ponto nos sacrificamos para ajudar o próximo, até onde vai a moral em um regime de exceção?

No primeiro episódio acompanhamos o amargurado cientista Valery Legasov (Jared Harris) em seu apartamento, onde ele grava fitas contando detalhes sobre a explosão em Chernobyl. Pretende com elas deixar registrada a sua verdade. A partir daí, em flashback, somos levados para o dia 26 de abril de 1986. Um casal ouve uma estranha explosão e avista ao longe um incêndio na usina nuclear. Moradores correm para ver o que aconteceu. As informações são desencontradas e uma confusão se instala nos arredores da usina.

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Ulana Khomyuk (Emily Watson) em Chernobyl: em busca da verdade

Nos episódios seguintes entram em cena dois personagens importantes: Ulana Khomyuk (Emily Watson) e Boris Shcherbina (Stellan Skarsgård). Ela é uma destemida física, com grande conhecimento sobre energia nuclear, que desafia as “verdades” apresentadas pelos oficiais do Comitê Central. Ele é um burocrata de alta patente convocado por Mikhail Gorbatchov (o cara da mancha na cabeça que dissolveu a União Soviética no fim dos anos 1980) para liderar a reparação dos danos causados pelo acidente e investigar os responsáveis.

Shcherbina vai atuar ao lado de Valery Legasov na condução de um plano de contingência. Os dois se deparam com um cenário assustador, com consequências devastadoras para a população e para a imagem da União Soviética. A fim de reduzir os efeitos da radiação, eles tentam de tudo: enviar homens para interromper o fluxo de radiação que sai do reator 4, mesmo sabendo que eles serão contaminados, e encomendar um robô alemão para limpar o grafite tóxico que se espalhou no telhado da usina.

Enquanto isso, Ulana vai atrás das pessoas que estavam no local quando o reator 4 explodiu, em uma investigação solitária e hostil. Ela busca respostas para explicar o que aconteceu, mas percebe que tem pela frente um inimigo gigantesco: o Estado soviético.

O inimigo está dentro de nós

Uma das maiores virtudes de Chernobyl é conseguir trazer à tona o aspecto político, humano, emocional e ético da tragédia, abordando diferentes pontos de vista. O contexto da Guerra Fria, o sacrifício de operários em prol de um bem maior, o temor de uma população em constante ameaça, os dilemas morais dos cientistas envolvidos no caso, as consequências para as próximas gerações.

Nem tudo é verdade na série, mas o que foi criado — como a personagem de Ulana, inspirada num grupo de cientistas — contribui para o entendimento do que foi o maior acidente nuclear da história. Até hoje, mais de 30 anos depois, há uma zona de exclusão na Ucrânia, nas imediações de onde aconteceu o desastre.

(Com o sucesso de Chernobyl, um monte de gente sem noção começou a postar nas redes sociais selfies nas cidades afetadas, como Pripyat, fazendo caretas, sem roupa, tirando sarro de alguma situação. O próprio Mazin, criador da série, repreendeu os fanfarrões e pediu o mínimo de respeito.)

Para quem curtiu a série, recomendo a leitura do livro As Vozes de Tchernóbil (Companhia das Letras), da jornalista e escritora ucraniana Svetlana Aleksiévitch, vencedora do Nobel de Literatura. Parte da série foi inspirada nos relatos trazidos por Svetlana. Vale muito a pena!

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