
Lembro de ter visto o Ludovic pela primeira vez no meio dos anos 2000 num dos inferninhos da Rua Augusta, em São Paulo. Pode ter sido no Outs, não tenho certeza. Eu tinha 20 e poucos anos, e eles também. Ou seja, as mesmas preocupações de adolescentes prestes a entrar no complexo mundo dos adultos.
Uma pulsante cena independente de rock se formava por ali, com bandas legais como La Carne, Forte Apache, Ästerdon e Fud tocando num circuito de clubes decrépitos e festas underground. Todos, assim como o Ludovic, buscando seu espaço nas beiradas do mainstream.
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O Ludovic tinha um dos shows mais insanos da capital paulista. Altamente explosivo, o vocalista Jair Naves soltava suas letras melancólicas, melodramáticas e destrutivas ao mesmo tempo em que se metia no meio da galera, abria o palco para quem quisesse cantar junto e, com frequência, se machucava ao se jogar pra todo lado, derrubando equipamentos e quebrando instrumentos. Não era uma simples performance ensaiada. Havia verdade ali, e muitos fãs percebiam isso.

Saí do primeiro show deles impressionadíssimo. Era exagerado, intenso, mas honesto, o que é fundamental em qualquer tipo de arte. O Ludovic cantava para uma geração meio abobalhada, sem saber ao certo onde se apoiar, a desilusão, o fracasso de um relacionamento, a solidão. Claro que conseguiram marcar aquela molecada perdida que virava a noite na Augusta.
Veio a idade e, depois de dois discos fodas (Servil e Idioma Morto), Jair anunciou o fim da banda, se desgarrou e partiu em carreira solo, num voo mais maduro. Pensei com meus botões: claro, não é possível manter a intensidade e um vigor desses por tanto tempo. Ele cansou. Ou: não faz mais sentido.
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Ontem, descobri que esse mesmo Ludovic, do qual já não ouvia falar, estava de volta (na verdade, há um tempo, fazendo um show aqui e outro ali para o deleite de fãs do passado). Ludovic no Centro Cultural São Paulo. Grátis. Com 700 interessados no evento registrado no Facebook e 350 com presença confirmada. Não é pouca gente! Aí bateu aquele saudosismo e fui lá conferir.

No palco circular do CCSP, que mais se parece com um ringue de UFC, com gente jovem rodeando o espaço e mais gente lá em cima, acompanhando do alto, Jair Naves surgiu ao lado de Zeek Underwood, Eduardo Praça e do novo baterista, Rodrigo Montorso. Tocaram por uma hora e meia sucessos que se tornaram letras marcantes de uma época, a exemplo de “Você Sempre Terá Alguém a Seus Pés”, que encerrou a sessão nostalgia.
Jair não tem o gás de antigamente, cadencia melhor os momentos de explosão. Caminha mais tranquilamente pelo palco, mas ainda gosta de se misturar com o público, procura contato com todo mundo. Talvez algumas letras façam menos sentido hoje em dia para a banda, mas a galera em volta parece discordar. Canta todas com paixão. Jovens de hoje e os que foram jovens naquela época em sintonia, berrando como se implorassem para serem ouvidos. O Ludovic ainda pulsa e sabe contagiar uma plateia. Fiquei feliz de estar ali de novo, sentindo a mesma emoção de dez anos atrás.
Os discursos, entre uma canção e outra, ganharam tom mais político: Jair falou do absurdo de ver imigrantes sendo maltratados numa cidade formada por eles; esbravejou contra a onda conservadora atual; e, como fazia antes, estimulou outras bandas a darem as caras e passarem a sua mensagem.
Dizem que vem um álbum novo por aí. Tomara. É um tipo de rock que ainda faz muita falta no país!