
M. Night Shyamalan deve lutar contra um estigma dentro de si. Depois do sucesso precoce de O Sexto Sentido, que ele dirigiu quando tinha 29 anos, todo mundo espera algo genial vindo dele (uma reviravolta, uma surpresa à altura de “I see dead people…”). O pior é que ele parece aceitar esse desafio e muitas vezes, na ânsia de elaborar um roteiro mirabolante, as coisas acabam desandando. Calma, Shyamalan, cuidado com essa cilada!
O que vejo de genial, no entanto, neste cineasta indiano que no começo da carreira era tratado como discípulo de Hitchcock é o fato de trabalhar cenas e imagens com o zelo de um costureiro, amarrando as sequências com habilidade e movendo a câmera sempre com um propósito. Menos por ser o “rei do twist”. Quanto à habilidade visual, por outro lado, Shyamalan continua sendo um dos melhores.
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Aí entrei na sala de cinema para ver Fragmentado, seu novo filme que tem dividido opiniões (tenho amigos que amaram e outros que detestaram). Eu não amei, mas gostei justamente pelo que escrevi no parágrafo anterior: Shyamalan é mestre na composição de cenas, trata a câmera como uma ferramenta para hipnotizar o espectador. E consegue.

Veja uma das primeiras cenas do longa, na qual três meninas estão dentro de um carro esperando que o pai de uma delas coloque as compras no porta-malas. O diretor foca a atenção na garota que ocupa o banco de passageiro. Ela olha no retrovisor, depois desvia o olhar para as amigas, em seguida volta a olhar no retrovisor. Alguma coisa acontece lá atrás. A câmera vai e vem como se fosse o olhar desconfiado de uma pessoa. Até que um pacote de compras cai no chão. O suspense se constrói com elementos mínimos, com a mão calibrada de um cineasta que sabe o que faz.
Sem revelar muito do enredo, Fragmentado conta a história de Kevin (interpretado por James McAvoy), um cara que sofre de Transtorno Dissociativo de Identidade. Isso quer dizer que ele tem múltiplas personalidades — para ser exato, 23. Kevin acorda como um estilista extrovertido, transforma-se num homem metódico de poucas palavras, incorpora uma criança de 9 anos e até uma delicada mulher. Um prato cheio tanto para o ator (McAvoy dá um show mudando de personalidade, trejeitos e modo de falar) quanto para o diretor/roteirista (que explora essa disfunção ao máximo na tela).
A cena do carro no estacionamento a que me referi acima é o momento em que Kevin sequestra as três garotas e as mantém num cativeiro. Destaque para a jovem atriz Anya Taylor-Joy no papel de Casey, cujo olhar enigmático e inocente faz lembrar o de Maria Falconetti no clássico A Paixão de Joana D’Arc (1928), de Dreyer. Parece que ela se sente bem em filmes de horror — antes, tinha brilhado no ótimo A Bruxa.
Confinadas num ambiente claustrofóbico, elas custam a entender a situação e o tratamento esquizofrênico de Kevin. Quando não está cuidando de suas vítimas, ele faz consultas com a terapeuta Karen Fletcher (Betty Buckley), uma defensora de seus pacientes que ressalta como assumir uma personalidade distinta pode ser libertador. Ela desconfia, porém, da presença de uma 24ª identidade presente no corpo de Kevin, mais destruidora, manipuladora e maléfica do que as demais.

O clima de suspense se desenrola até se tornar uma trama sobrenatural, resvalando no universo dos quadrinhos e cheia de referências e autorreferências. Uma delas, uma piada com Bruce Willis (ator acostumado a trabalhar com Shyamalan), sugere conexão com um dos filmes do diretor, Corpo Fechado. Dizem até que ele deve amarrar as duas histórias num terceiro filme. Será? Melhor, não.
Resumindo a experiência: acho que, sim, Shyamalan está voltando aos velhos tempos, menos pretensioso e preso às imposições de grandes produtores e estúdios. Sabe muito bem conduzir o público, explorar cenas como um excelente artista visual e criar uma atmosfera sombria. Já os diálogos… em Fragmentado, muitos deles quase derrubam a história.
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[…] Publicado em janeiro 5, 2018 por fernandomasini Padrão […]