Gojira no Brasil. Banda faz melhor show de 2023 (desculpa, Mastodon)

Show do Gojira no Espaço Unimed, em São Paulo (Stephan Solon/Divulgação)

Em uma entrevista com os irmãos Duplantier, em 2021, a jornalista Eleanor Goodman, da revista britânica Metal Hammer, sentenciou: “Gojira vai além do que uma banda de metal deveria soar no momento. Eles são a banda que o mundo precisa nos dias de hoje“.

É uma declaração potente, sem meias palavras, que fala de uma banda seminal no cenário atual do heavy metal. A atenção que a mídia dá aos franceses do Gojira se deve a alguns fatores: o ativismo do grupo na conservação do planeta, as letras filosóficas sobre nosso papel no mundo, a explosão e emoção no palco e a mescla de gêneros, que vão do metal mais técnico, groove e o progressivo.

O foco dos caras é na música e menos na parafernália típica de bandas do gênero, como os rostos pintados, os monstros que caminham pelo palco, as máscaras, a solenidade de rituais macabros. Nada disso. O Gojira se mostra e não teme de falar sobre seus sentimentos como eles são e, por isso, acredito que criaram uma comunidade tão engajada de fãs mundo afora.

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Em 2013, um ano após o lançamento de L’Enfant Sauvage, vi o Gojira no Monsters of Rock, numa tarde ensolarada na Arena Anhembi que tinha um line up dominado por bandas do velho nu metal, como Korn e Limp Bizkit. Ninguém deu muita bola pros caras! Nem a organização do evento, que os colocou pra tocar com o sol rachando do meio-dia, gente ainda chegando, outros comendo hambúrguer e procurando uma sombra. Eu gostei do que vi, mas não imaginava a projeção que eles ganhariam.

Mario Duplantier se joga num bote inflável em show no Brasil (Stephan Solon/Divulgação)

Em 14 de novembro de 2023, dez anos depois, eles voltaram com a turnê ao lado do Mastodon, outra banda que costumo falar por aqui como um dos expoentes do novo metal. E digo, com alguma sobra em relação a outras apresentações, que foi o melhor show de metal que vi em 2023. Sobretudo o do Gojira. Eles subiram ao palco do Espaço Unimed, em São Paulo, para fechar a noite.

Foi um show maior e mais maduro do que vi em 2013. Com público maior, estrutura de luzes e palco mais incrementada e um setlist, naturalmente, mais longo e variado, composto sobretudo de canções dos álbuns mais conceituados, From Mars to Syrius (2005) e Magma (2016), passando pelas novas músicas do disco mais recente, Fortitude (2021), incluindo, claro, Amazonia, composta em protesto aos incêndios e à destruição da Amazônia que traz na sonoridade uma pegada bem Roots do Sepultura, com berimbau e tudo o mais.

Os irmãos Joe (vocal) e Mario (bateria) Duplantier comandam as ações no palco. Em alguns momentos, o baterista toma a frente, chama o público, conduz os coros. E, no final um tanto inusitado, ele se lança num bote inflável que é carregado pelo público, com o alerta do irmão Joe, que o vê se distanciar do palco: “Por favor, tragam ele de volta em segurança”.

Joe é um cara comum no palco. Não faz muitas estripulias, cara de mal ou grandes performances. Mas ele canta a sua verdade com empolgação, fazendo com que o público acredite em cada palavra gritada por ele. Tem uma emoção e um mistério que os conectam com os fãs, justamente por serem tão diferentes do padrão-sexo-drogas-rock’n’roll.

Joe Duplantier em show do Gojira em São Paulo (Stephan Solon/Divulgação)

No início, quando o grupo surgiu em 1996, Joe lembra que eles ouviam e admiravam bandas de death metal como Morbid Angel, Cannibal Corpse e Death. As primeiras demos falavam sobre morte, fantasmas, sangue, assim como a maioria das bandas da época. Não tinha nada muito inovador ali. Mas já no primeiro álbum, Terra Incognita, o Gojira deixou de lado a temática e os padrões musicais do metal mais tradicional para imprimir seu próprio universo, tratando de temas existenciais, meio ambiente e espirituais.

Algumas músicas no show, como Flying Whales e The Chant, soam como orações para o universo em busca de respostas sobre o papel do ser humano na jornada da vida. Em The Chant, Joe convoca a plateia para entoar um mantra que percorre toda a apresentação, do começo ao fim. Vi jovens de 20 e poucos anos cantando cada letra com a energia de quem sabe o que está falando e entende o que a banda prega.

Isso não quer dizer que o Gojira deixa de lado o peso do metal em prol da mensagem. Eles combinam muito bem a técnica (são ótimos músicos), a atmosfera e a força de sua música a um ativismo pertinente à época em que vivemos. Falam com propriedade de um assunto urgente, sem medo de quebrar normas e preconceitos de quem vive o metal.

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