
Filme de casa mal-assombrada é aquela coisa manjada: passagens secretas, fantasmas embaixo da cama, seres sobrenaturais escondidos no armário, maçanetas que se movem sozinhas, aparições refletidas no espelho. Qual foi o último desse subgênero que deixou sua marca? Horror em Amityville, Os Outros, Atividade Paranormal ou, talvez, o mais recente Hereditário.
Acontece que esse tipo de filme, explorado por importantes diretores desde o início do cinema em produções como The Cat and the Canary (1927) e The Old Dark House (1932), ainda é uma fértil fonte de inspiração e funciona bem hoje em dia. O diretor Mike Flanagan, responsável pela nova série da Netflix A Maldição da Residência Hill, parece ter noção disso.
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Se eu fosse um psicólogo, daria o seguinte diagnóstico: a casa representa o lugar mais seguro para todo mundo. É para onde voltamos quando precisamos de colo ou enfrentamos um período turbulento. É o nosso refúgio quando temos medo. Portanto, é um ícone inviolável de todas as famílias. Aí, quando coisas estranhas invadem esse ambiente, a lógica se corrompe e a estrutura emocional dos moradores entra em colapso.
Se voltarmos um pouco mais no tempo, encontramos o escritor Edgar Allan Poe tratando uma casa mal-assombrada como um organismo vivo e poderoso no conto A Queda da Casa de Usher (1839), no qual ele nos mostra a moradia como personagem principal e os moradores como vítimas de sentimentos como medo, derrocada e culpa.

É esse caminho, menos espetacular e mais psicológico, que Mike Flanagan percorre ao longo dos dez episódios da série A Maldição da Residência Hill. Além de sustos, ele propõe um estudo de personagens cuidadoso ao recriar a história da família Crain, contada no clássico livro de 1959 da autora Shirley Jackson.
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Com idas e vindas no tempo, Flanagan narra a trajetória conturbada de cinco irmãos que se mudaram com os pais para uma mansão, onde vivenciaram situações paranormais. Sem contar muito, todos vão pagar um preço por essa experiência traumatizante. Anos depois, acompanhamos a vida dos cinco irmãos e as tentativas de lutar contra um passado aterrorizante.
A filmagem recupera o clima mais antigo de filmes como O Iluminado, dotando a própria casa de uma personalidade própria, capaz de mexer no equilíbrio emocional dos moradores e despertar ansiedades, medos, angústias.
A linha entre fantasia e realidade, ser-de-carne-e-osso e fantasmas fica tênue, embaralhando a percepção de uma família envolta em tragédias. Culpa e um doloroso processo de luto pesam sobre eles: revisitar o passado e reabrir algumas feridas torna-se indispensável para a libertação.
Pode ser que alguns fãs de terror torçam o nariz por conta da levada em banho-maria de Flanagan, que é contido nos momentos de assustar a plateia e, em certos momentos, exagerado na pegada sentimental. A Maldição da Residência Hill é um terror mais cabeça, meticuloso e muito bem filmado. Me fez lembrar, em algumas passagens, a atmosfera old school de A Invocação do Mal.

Em um tuíte na época do lançamento, o escritor Stephen King aprovou o que viu, imaginando que a autora da obra, Shirley Jackson (1916-1965), teria chancelado o trabalho de Flanagan:
“I don’t usually care for this kind of revisionism, but this is great. Close to a work of genius, really. I think Shirley Jackson would approve, but who knows for sure.”
PS: Além de ir fundo nos personagens, Mike Flanagan parece ter se divertido ao rodar A Maldição da Residência Hill. Ele escondeu uma série de fantasmas (ora refletidos em espelhos, ora espiando os personagens) em diversas cenas da série. Você pode conferir pelo menos 45 neste vídeo que o site IMDB publicou no YouTube.
[…] indo além das máscaras assustadoras, da cadeira que range ou da criança possuída. Fez isso em A Maldição da Residência Hill, que comentei por aqui, e vai na mesma direção na ótima série Missa da Meia-Noite, ambas da […]
Verei com certeza.Excelente resenha.