Rua Cloverfield, 10: o que está por trás do jogo criado por J.J. Abrams?

Michelle (a atriz Mary Elizabeth Winstead) em Rua Cloverfield, 10
Michelle (a atriz Mary Elizabeth Winstead) em Rua Cloverfield, 10

Nem bem estreou e Rua Cloverfield, 10, suspense produzido por J.J. Abrams, uma das mentes mais criativas e espertas de Hollywood, responsável pelo sucesso da série Lost e diretor de Star Wars – O Despertar da Força, já está dando o que falar em discussões na internet, sobretudo entre os fãs da ficção científica Cloverfield, o filme de 2008, também produzido por Abrams, que mostrava Nova York sob o ataque de monstros, como se estivéssemos vendo um vídeo caseiro registrado por uma das vítimas.

Trata-se de uma sequência do original de 2008? Como ligar os dois filmes?

Aí o mistério ganha corpo graças, principalmente, à habilidade de Abrams em promover seus projetos, através de campanhas de marketing sorrateiras que, aos poucos, vão se agigantando pelo boca-a-boca virtual. Você já ouviu falar de ARG (Alternate Reality Game)? No final do post conto como ele é eficaz quando o objetivo é viralizar um conteúdo.

Vamos começar com a seguinte explicação: Rua Cloverfield, 10 não nasceu com esse nome (e isso é primordial para entender o que vem a seguir). A produtora de Abrams, a Bad Robot, comprou em 2012 o primeiro esboço de um roteiro chamado The Cellar, escrito por Josh Campbell e Matt Stuecken. O jovem Damien Chazelle, diretor e roteirista de Whiplash (2014), foi então convocado para elaborar a versão final do roteiro e reestruturar algumas passagens. A direção ficou a cargo do estreante Dan Trachtenberg.

Rua Cloverfield, 10: os três sobreviventes
Rua Cloverfield, 10: os três sobreviventes

Aos poucos, os produtores perceberam que o projeto, cuja história era a de uma mulher que acorda em um bunker sob a proteção de um militar diante de um suposto ataque apocalíptico, tinha alguma familiaridade com Cloverfield. Pronto, deram um jeito de entortar o enredo, inserir um novo final e batizar o filme de Rua Cloverfield, 10, numa referência direta ao longa de 2008. Semanas antes do lançamento, Abrams falou com a imprensa explicando que existe, sim, uma “ligação espiritual” entre os dois filmes. E mais: que há planos de um terceiro episódio que seria o desenlace da franquia.

Com isso, inevitavelmente, todo mundo se lançou no desafio de tentar entender onde estão as conexões entre uma história e outra (se é que elas, de fato, existem). Aviso: a partir daqui, o texto contém alguns spoilers.

+ A arte deformada de Jonathan Payne

Dá para dizer que não é uma sequência. Os atores e personagens não são os mesmos, o local é diferente, mas o clima de tensão e apreensão coincide. São pessoas acuadas pelo medo, desesperadas, num estado que beira a paranoia.

Em Rua Cloverfield, 10, acompanhamos Michelle (interpretada pela boa atriz Mary Elizabeth Winstead) momentos antes de sair de casa, após uma briga com o namorado, e pegar o carro. Enquanto dirige, ela recebe a ligação dele, mas não atende. Após um acidente brutal e ruidoso (aqui, o diretor intercala de maneira magnífica os letreiros de abertura do filme, num silêncio cortado pelo barulho estridente da colisão dos carros), Michelle acorda num quarto, com a perna acorrentada à cama. Sem saber como foi parar ali, recebe a visita de Howard (o ótimo John Goodman, de O Grande Lebowski), um ex-militar que construiu um bunker sob a sua fazenda para se proteger de um suposto ataque nuclear. Não sabemos se ele fala a verdade: será mesmo generoso ao oferecer abrigo a uma sobrevivente ou um psicopata que esconde planos maquiavélicos? Além de Michelle, Emmett (John Gallagher Jr.) também está sob custódia de Howard.

Mesmo pensando fora do universo Cloverfield, o filme é um suspense de grudar os olhos na tela e até mais impactante do que o seu par anterior. Com uma trama simples, que se passa praticamente numa única locação, e um elenco reduzido a três atores, o diretor Dan Trachtenberg prende a atenção do público na base da sugestão de cada situação, sempre manipulando a expectativa de cada cena com habilidade, criando assim um jogo de sobrevivência. É claustrofóbico, tenso e com ótimas atuações que garantem a ambivalência de cada personagem. Não vou contar o final, óbvio, mas ele poderia tomar outro rumo, e parece ter sido feito à força para amarrar (ou sugerir ligações) com a história de 2008.

O primeiro Cloverfield: campanha viral de marketing
O primeiro Cloverfield: campanha viral de marketing

E onde estão as conexões, afinal? Bom, se for para mergulhar no incerto e nas confabulações, acho que o mais provável é que o ataque de monstros alienígenas que atingiu Nova York no primeiro filme, em 2008, destruindo a cabeça da Estátua da Liberdade e explodindo a Ponte do Brooklyn, pode ter acontecido ao mesmo tempo, em outro local, no segundo filme, obrigando Howard, Michelle e Emmett a ficarem confinados no bunker. Corre também a hipótese de que Howard seria um dos funcionários da Bold Futura, uma subsidiária da empresa ficcional Tagruato, que faz perfurações em alto-mar e teria causado a aparição do monstro em Cloverfield, de 2008.

Parece tudo meio maluco, certo? A coisa não para por aí. Abrams, e sua produtora Bad Robot, alimentam essa paranoia por pistas e segredos numa eficaz campanha viral de marketing que mobiliza os nerds do mundo todo como se fosse um jogo de caça ao tesouro. O nome disso é ARG (Alternate Reality Game), uma disputa eletrônica na qual os participantes podem mudar o rumo da história. A própria produtora incentiva os fãs do filme a descobrirem mais pistas e desvendarem um universo paralelo, criando sites falsos e personagens fictícios.

Cloverfield já tinha adotado essa prática em 2008 e, agora, Rua Cloverfield, 10 também segue o mesmo caminho. Por exemplo, no site falso da empresa japonesa Tagruato (clique aqui) um dos funcionários do mês que aparecem na lista é o personagem Howard Stambler (veja aqui), o carrasco (ou salvador?) que deixa Michelle e Emmett confinados no bunker. Se digitarmos a inscrição que está na camisa dele (Radioman70) como uma URL seremos direcionados para um site chamado FunAndPrettyThings, onde há lembranças da filha de Megan, a filha de Howard.

Assim, Abrams consegue um engajamento interminável com seus espectadores, ora entretendo, ora ludibriando seu público.

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