O fenômeno IT – A Coisa: o medo em seu estado mais primitivo

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O palhaço Pennywise está de volta em IT – A Coisa

O novo IT – A Coisa, adaptação do livro que Stephen King escreveu em 1986, funciona mais como aventura juvenil do que como filme de terror. A gente assusta, sim, mas a graça está mais na cumplicidade de uma turma de amigos rejeitada pelos colegas de classe. É aquela sensação que nos dá ao assistir, por exemplo, à série Stranger Things ou ao longa Super 8. Spielberg explora muito bem esse clima ao retratar em alguns de seus trabalhos jovens nerds desajustados e incompreendidos. Nos identificamos facilmente (e torcemos) pelos personagens porque são vítimas de um sistema adulto sacana.

O medo é o grande tema do filme. Ele dá força ao palhaço macabro Pennywise — quanto mais suas vítimas temem, mais ele se fortalece — e torna-se um desafio a ser superado ao longo da projeção. O medo também está dentro de casa, na relação doméstica. O pai de Beverlly (interpretada pela atriz Sophia Lillis), por exemplo, exige a pureza da filha ao mesmo tempo em que lança olhares lascivos para ela. Já a mãe de Eddie (Jack Dylan) protege tanto o filho que acaba fazendo dele um fracote com mania de doenças.

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Nesse sentido, o mérito da história vai mais para quem a criou, o mestre do terror de entretenimento Stephen King. O autor ajudou, em boa parte, com a reação dupla, entre o engraçado e o macabro, que temos quando estamos diante de um palhaço. No filme, Pennywise (um trabalho muito bom do ator Bill Skarsgard) assusta com seu olhar de louco, a voz suave e rouca, os dentes de tubarão e os movimentos cômicos e sinistros em um corpo possuído. Mais possuído que o Bozo depois de cheirar uma carreira (também em cartaz no filme Bingo).

Uma mensagem menos aparente, talvez algo que só faça sentido na minha cabeça, é que a briga desses meninos prestes a entrar na adolescência tem a ver também com a destruição da figura paterna, repressora, como o único meio de conquistar a sua autonomia de vida, ou uma possível liberdade. Para isso, o medo também é um obstáculo.

Deixando o papo-cabeça de lado, o filme do diretor argentino Andy Muschietti, como entretenimento, é um prato cheio. Tem pelo menos quatro cenas memoráveis, além da clássica sequência do barquinho de papel à deriva na corredeira até se perder na boca de lobo, quando o irmão de Bill dá de cara com o palhaço Pennywise pela primeira vez. Outra mostra a esperta Beverlly combatendo seus próprios medos no banheiro de casa, no momento em que surgem cabelos do ralo da pia com a intenção de estrangulá-la. Rola um banho de sangue tão viscoso quanto o que vimos em Carrie, a Estranha, outro filme adaptado de obra de King.

Por que tanta gente quer assistir a IT – A Coisa? (A bilheteria nos EUA, apenas no fim de semana de estreia, foi de 117 milhões de dólares, uma das maiores para um filme de terror das últimas décadas). Além do marketing bem feito — desde o cartaz sensacional, o trailer com a cena clássica do barquinho e a ação de colocar balões vermelhos em bocas de esgoto em algumas cidades americanas –, temos outros elementos infalíveis. Primeiro, um revival do fim dos anos 1980: quem viveu essa época e lembra da primeira filmagem de IT, que foi ar em 1990, com certeza ficou curioso.

Depois, a sacada incrível de King ao tratar a rede de esgoto da cidade como se fossem as entranhas de um corpo humano. Quem nunca teve medo de uma barata escapar pelo ralo? Da mesma maneira, temos receio de que alguma secreção escape por nossos poros. Tudo fica bem escondido, mas, na verdade, há um mundo em decomposição atrás das ingênuas aparências.

 

 

 

 

 

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