O sadismo de Darren Aronofsky em Mãe! beira o insuportável

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Jennifer Lawrence e Javier Bardem: a mãe-natureza e o pai de todos

Darren Aronofsky deve ter prazer em torturar o público, assim como deve sentir satisfação em maltratar suas atrizes. Foi assim em Réquiem para um Sonho (2000), cuja vítima foi Ellen Burstyn, depois em Cisne Negro (2010), com Natalie Portman, e, agora, Jennifer Lawrence enfrenta semelhante calvário em Mãe!, novo filme do diretor americano. Com tantos exemplos, um seguido do outro, fica difícil refutar sua veia sádica. Já a experiência do espectador é testada ao limite, como se ele desafiasse a plateia a fim de ver quantas pessoas deixarão a sala com enjoo antes do fim da projeção.

Não é uma estratégia nova, evidentemente. Suscitar polêmica é uma ferramenta muito útil para levar pessoas ao cinema, mesmo que elas saiam no meio do filme ou vaiem no final. O gênero de terror se move dessa maneira, expandindo os limites do absurdo e aumentando o nível de provocação. Imagino que um diretor deva achar ótimo quando alguém passa mal vendo seu filme, e a notícia circula pelo mundo todo. Isso desperta a curiosidade mórbida intrínseca do ser humano.

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Foi o que rolou com Mãe!. No Festival de Toronto, no Canadá, onde foi exibido antes de estrear, parte do público vaiou após a sessão, enquanto outra parte, aplaudiu. Todos, no entanto, saíram chocados do cinema. Aronofsky conseguiu, mais uma vez, o que desejava: botar sua história na boca da mídia e do povo para garantir bilheteria.

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Jennifer Lawrence: um calvário nas mãos de Aronofsky

A polêmica gira em torno da reinterpretação que o cineasta se propõe, bem à sua maneira radical , do Gênesis, narrando em uma espécie de alegoria a criação do mundo e os primeiros pecados. Jennifer Lawrence é uma jovem que se dedica a cuidar da casa e  do marido, o escritor e poeta Javier Bardem, que passa por um bloqueio criativo. (Os personagens não têm nome no filme). Eles moram em uma casa isolada, perto de um bosque, que foi destruída por um incêndio e reconstruída cômodo a cômodo graças ao esforço dela.

Certo dia, eles recebem a visita inesperada (ao menos para ela) de um médico (Ed Harris) que se diz fã do anfitrião. Depois, surge também sua mulher (Michelle Pfeiffer) batendo à porta. Os dois hóspedes são intrometidos e folgados — ele fica bêbado e vomita na privada na primeira noite; ela se mete na cozinha sem ser chamada e questiona a vida da personagem de Jennifer Lawrence, que se sente incomodada com aquela presença inusitada. A postura do marido, por outro lado, é de compreensão e cordialidade.

A tensão cresce ainda mais com a chegada dos dois filhos dos hóspedes, que brigam pela herança do pai. Tudo se desenvolve aos moldes de Deus da Carnificina, de Roman Polanski. Aos poucos, a cordialidade some e revela-se a natureza vil do ser humano. Aliás, outro filme do diretor polonês, O Bebê de Rosemary, também parece ser uma fonte de inspiração.

A câmera de Aronofsky é distinta quando está diante de Jennifer Lawrence (ele cola a lente em seu rosto querendo extrair todas as expressões, assim como a beleza, da atriz) e dos outros personagens (uma câmera bem mais distante e impessoal). Temos, portanto, o ponto de vista assustado dela. E nele mergulhamos.

Até aqui, temos um filme inteligente e instigante, visualmente sofisticado. A protagonista não consegue se desvencilhar do que mais parece um pesadelo. Resumindo, a leitura é a seguinte: Adão e Eva, os hóspedes, chegam à casa de Deus (o poeta) para bagunçar o coreto e deixar irritada a Mãe Natureza (Jennifer Lawrence). OK, embarcamos na viagem até a metade da narrativa. O problema é o que vem depois. Como se não bastasse a presunção de Aronofsky de recriar o início de tudo — o que já é, convenhamos, arriscado — ele pisa no acelerador e perde totalmente o controle do carro. Coloca no mesmo caldo uma discussão desnecessária sobre fama, o mundo das celebridades, o destempero dos fãs.

Da metade para o fim do filme, ele basicamente repete a situação inicial da casa invadida, injetando mais adrenalina, sufocando de vez o público e fazendo do suspense um filme meio torto de ação. O que é aquela tropa de choque entrando na casa, explodindo tudo!!??

Saí da sala irritado porque ele força à mão para esgotar a plateia na base da tortura de sons e imagens, deixando de lado a criatividade narrativa, notável nos primeiros minutos da projeção. Interessante notar como é simbólico o ponto de exclamação que integra o título do filme: revela a intenção do diretor de impressionar o público a qualquer custo, com uma artimanha óbvia e fácil.

3 comentários

  1. […] Para efeito de comparação, em 1973, ano de lançamento de um dos maiores clássicos do terror, O Exorcista, a bilheteria total alcançou 233 milhões de dólares. Além de um saldo positivo importante para os produtores, 2017 também foi marcado pela qualidade de obras que mesclaram elementos básicos do gênero com uma roupagem mais indie, típica do circuito de filmes alternativos. Podemos citar, por exemplo, o francês Raw, o americano Ao Cair da Noite e o polêmico Mother!. […]

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