As bruxas existem? E o que elas querem da vida?

Trial of George Jacobs, de Thomkins H. Matteson, retrata o julgamento de Salem

O título acima é uma das primeiras perguntas que os historiadores Jeffrey Russell e Brooks Alexander fazem no livro História da Bruxaria, da editora Aleph. Não é uma questão fácil de responder. Se usarmos apenas o aparato racional e científico, fica difícil acreditar que sim. Por outro lado, se a bruxaria passa a ser encarada como religião, assim como o cristianismo, aceitamos que elas existem.

O problema vem da própria definição do que é uma bruxa ou bruxo. Os autores defendem que há uma grande confusão em torno do assunto. A primeira imagem que vem à nossa mente é a figura da velhinha, com uma verruga na ponta do nariz, que sai voando por aí montada em uma vassoura. Filmes como A Branca de Neve e O Mágico de Oz ajudaram a estigmatizar essa imagem.

Outro engano é pensar que a bruxaria teve início na Idade Média, quando mulheres (em sua maioria) eram perseguidas, torturadas e queimadas pela Inquisição sob a acusação de heresia.

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As origens são mais antigas e alguns elementos da feitiçaria contribuíram para formar a imagem da bruxa. Os sumérios, por exemplo, acreditavam que o mundo era povoado de espíritos hostis. Um dos mais malignos era Lilitu, um demônio que voava à noite, acompanhada de corujas e leões, copulava com homens adormecidos e assassinava crianças.

No Sudão, os azande celebravam reuniões com fartos banquetes nas quais praticavam magia. Esfregavam unguento na pele a fim de se tornarem invisíveis e vagavam pela noite em busca da alma de suas vítimas. Outras crenças, como o vodu haitiano, que reúne elementos do cristianismo, paganismo e da magia, também influenciaram a bruxaria.

A própria evolução da religião no mundo foi moldando esse conceito. Aos poucos, e com um empurrão canalha da Igreja Católica, as bruxas passaram a ser vistas como a encarnação do Diabo. Na Idade Média, o dualismo entre o Deus bonzinho, de um lado, e o malvado Satanás, do outro, condenou a bruxaria às práticas de heresia.

Idade Média: a caça às bruxas

Um dos mais influentes teólogos cristãos, Santo Agostinho argumentou que a magia e a feitiçaria foram invenções do Diabo com o objetivo de afastar os fiéis da corrente cristã.

A caça às bruxas na Idade Média, sobretudo entre os séculos 16 e 17, se tornou uma prática recorrente, chancelada pelo notório manual Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras), publicado em 1486. Esse documento sexista, feito sob medida para validar torturas e mortes de não fiéis, se transformou no livro de cabeceira dos inquisidores.

O Conjuro, de Goya

De acordo com as instruções do Malleus Maleficarum, a bruxaria consistia em renúncia da fé católica, devoção integral (corpo e alma) a serviço do Mal, sacrifício de crianças não batizadas e práticas de orgias que incluíam relações sexuais com o Diabo. Declarava também que as bruxas podiam mudar de forma física, voar e profanar ícones cristãos.

A razão pela qual a bruxaria era praticada predominantemente por mulheres, asseverou o Malleus Maleficarum, é que elas são mais estúpidas, volúveis, frágeis e mais carnais do que os homens. Todos os devotos de bruxaria deveriam ser acusados, detidos, sentenciados e executados.

Jeffrey B. Russell no livro “História da Bruxaria”

O julgamento por heresia acontecia sempre da mesma maneira: primeiro a acusação, depois o interrogatório seguido de tortura para induzir confissões e, por fim, a execução — na maioria das vezes, o acusado sendo queimado ou enforcado.

Construída pelo bispo Johann Georg em Bamberg, na Alemanha, a Casa da Bruxa continha celas de prisão e câmaras de tortura, com parafusos para comprimir os dedos das vítimas, torniquetes para as pernas, banhos em cal fervente e genuflexórios com farpas afiadas, além do polé, instrumento no qual os braços dos prisioneiros eram atados por trás das costas com uma corda presa a uma polia que era levantada aos poucos.

As bruxas de Salem: condenação sem provas

A perseguição se estendeu às colônias inglesas. Um dos casos mais memoráveis aconteceu em Salem, Massachusetts, em 1692, onde duas garotinhas, de 9 e 11 anos, começaram a manifestar comportamentos estranhos. O pai de uma delas, um pastor, chamou um médico para tratá-las, sem êxito. O profissional disse que possivelmente elas estariam sob o feitiço de uma bruxa.

Os sintomas delas e de outras garotas da região pioraram, com episódios de convulsão e ataques epilépticos. Sob pressão de um interrogatório, as meninas disseram que haviam sido enfeitiçadas por três mulheres. O movimento condenatório cresceu à medida que a situação se agravava. O resultado foi a execução de 19 pessoas, a maioria delas foi enforcada.

História da Bruxaria, de Jeffrey B. Russell e Brooks Alexander

A ideia de bruxa que se tinha na Idade Média, muito associada ao Diabo, não tem nada a ver com a bruxaria moderna que existe hoje. Movimentos neopagãos reivindicam atualmente o reconhecimento dos cultos como uma religião. Hoje está mais conectada com crenças pré-cristãs e atua como uma contracultura do modelo vigente. Uma forma de resistência.

O movimento neopagão: natureza e fertilidade

O folclorista americano e escritor Charles Godfrey Leland (1824-1903), a historiadora Margaret Murray (1863-1963) e Robert Graves (1895-1985) são alguns nomes que ajudaram a definir a bruxaria moderna. Pai desse movimento, o inglês Gerald Gardner estabeleceu uma nova versão voltada para a natureza, uma manifestação pacífica e alegre. Esse conceito ainda prevalece hoje em diversas partes do mundo.

Ao contrário do que muita gente ainda supõe, os bruxos modernos não adoram o demônio, não participam de missas negras nem sacrificam qualquer tipo de criatura. O objetivo principal da bruxaria moderna é a criação de uma nova religião que mantenha algumas similaridades com a feitiçaria e o paganismo antigos.

Jeffrey B. Russell

Os autores explicam que essa nova bruxaria bebe na fonte da contracultura que surgiu no mundo nos anos 1960, com o movimento de liberdade sexual, ambientalismo, feminismo. Nessa época também proliferaram livros e filmes ocultistas, abordando cristais, tarô. A bruxaria moderna, acreditam Russell e Brooks, surge como uma ruptura das ortodoxias religiosas e como uma oportunidade de enxergar o mundo de outra maneira.

2 comentários

  1. Interessante essa interface religião e bruxaria.Assisti ?ou li algo neste sentido recentemente.Achei muito interessante.

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