
A melhor série lançada neste ano, The Handmaid’s Tale, não é produzida pelo Netflix nem estará disponível no famoso canal de streaming. A novidade vem de seu principal concorrente, o Hulu, empresa fundada em 2007 na Califórnia (EUA) que reúne entre os sócios pesos-pesados como Universal, Disney e Fox. Ou seja, vai dar trabalho ao Netflix.
The Handmaid’s Tale é a primeira grande aposta da companhia. Talvez tenha ganhado destaque por tocar em temas atuais palpitantes como feminismo, liberdade de expressão, regimes autoritários. Mas, além disso, a qualidade da série é indiscutível!
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Adorei a primeira temporada, a começar pela atuação espetacular da atriz Elisabeth Moss, a mesma que roubou a cena em Mad Men e terminou como a personagem mais interessante do drama de época sobre o mundo da publicidade, passando pela linda fotografia e pelo universo misterioso baseado na obra de Margaret Atwood. Já tinha ouvido falar, mas não conhecia o livro O Conto da Aia, da escritora canadense, que deu origem ao roteiro.
No fim de 2016, após a vitória de Trump numa disputa eleitoral que se transformou em guerra aberta contra Hillary Clinton, mulheres tomaram as ruas em algumas cidades dos EUA para defender seus direitos, em especial a garantia do aborto. Em março, um grupo de mulheres vestidas como se fossem as aias saídas do livro de Atwood — de vestidos longos vermelhos e chapéu branco cuja aba esconde o rosto de quem usa — protestou contra medidas autoritárias no Estado. Um mês depois desse episódio, The Handmaid’s Tale foi lançada. Pode ser apenas coincidência, ou uma ação oportunista do pessoal de marketing da Hulu, mas a verdade é que o timing perfeito contribuiu para o auê em torno da série.
Spoilers a seguir, mas de leve, prometo!
Quem nos conta a história é a personagem de Elisabeth Moss, a jovem Offred, que aparece trancada em um quarto, apresentando ao espectador, no ritmo de um diário, sua situação lastimável diante de um regime totalitário que obriga ela e outras mulheres a servirem como reprodutoras de homens ricos, cujas esposas são inférteis. A única função delas é parir filhos saudáveis à elite que está no poder.
Tudo começa como um grande mistério, até entendermos que estamos num futuro próximo, na república pós-apocalíptica de Gilead, onde garotas vestidas de vermelho e chapéu branco, assim como as que foram às ruas no Texas, são mantidas prisioneiras por uma líder truculenta e impiedosa, Tia Lydia (Ann Dowd). Com o consentimento das esposas, são forçadas a fazer sexo com os maridos delas e gerar filhos que serão arrancados do ventre.
Todas são submetidas a uma lavagem cerebral diária, com punições que incluem mutilações e morte. Enquanto isso, as esposas, vestidas de verde, fazem cena em casa e respondem solícitas aos desejos dos maridos. Offred mora na casa dos Waterford, com o comandante (Joseph Fiennes) e sua companheira, Serena (interpretada por Yvonne Strahovski).

Também entendemos, com a ajuda de flashbacks — alguns tão longos que acabam preenchendo um episódio completo — que Offred se chama, na verdade, June, morava em Boston e tinha um namorado e uma filha, antes de ser raptada pelo regime fundamentalista que se instaurou nos EUA. Descobrimos que algumas de suas amigas também foram sequestradas.
Sexismo, purismo, misoginia estão no caldo de provocações da série. A resistência femininista em um ambiente hostil toma corpo ao longo dos episódios. As luzes que invadem os cômodos contaminados onde vivem as aias parecem um alento para a opressão e um possível caminho para a libertação. Até quando Offred é capaz de suportar tamanha humilhação e buscar forças para revidar?
Em entrevistas, Margaret Atwood, não gosta de dizer que seu livro, O Conto da Aia, lançado nos anos 1980 e rapidamente tomado como instrumento de resistência do movimento feminista, seja uma ficção científica. Ela diz que trabalhou apenas com a realidade para construir o enredo. De fato, tudo o que acontece ali não soa, infelizmente, tão anormal aos tempos de hoje ou ao passado recente.

Trata-se de uma série de terror que não foge do confronto político, bota fogo nas discussões mais atuais e aponta para um cenário sombrio de intolerância e opressão, sem deixar de abordar com muita competência dilemas mais individuais, como amor, lealdade, maternidade e resiliência. E, mais uma vez, palmas para a atuação fantástica de Elisabeth Moss, que só com o olhar (triste, cansado, resistente, às vezes irônico e mordaz) transmite a complexidade de um ser humano sob as mais terríveis provações.
Como era de se esperar, a Hulu já anunciou uma nova temporada para 2018. Pelo que tudo indica, a história deve tomar novos caminhos que não estão no livro de Atwood.