Depois de exibir nos cinemas “Fome de Viver” (1983), de Tony Scott, e “Um Corpo que Cai” (1958), de Alfred Hitchcock, a Espaço Filmes, numa iniciativa louvável em tempos de disputa acirradíssima por telas, relança outro clássico de Hitchcock, “Os Pássaros” (1963). O filme reestreia no dia 20 de março em poucas salas do Rio e de São Paulo.
Trata-se do filme que veio logo depois de “Psicose”, o suspense mais afamado do diretor inglês. O enredo é bastante simples, sendo que a genialidade de Hitchcock aparece na atmosfera sombria que envolve a história, um cenário apocalíptico e perturbador que deixa o espectador em estado de alerta do início ao fim.
É uma lição de como Hitchcock é hábil em manipular a reação, o temor e a expectativa da plateia. Vamos à história antes de olhar mais de perto algumas cenas. Tippi Hedren faz uma garota mimada, Melanie, que sai de San Francisco e viaja até Bodega Bay levando dois lovebirds, uma espécie de periquito, na gaiola. Os pássaros são um presente encomendado pelo advogado Mitch (Rod Taylor) a sua irmã mais nova.
Ao chegar à baía, Melanie é atacada por uma gaivota e vai parar na casa de Mitch, cuja mãe é possessiva -a figura da mãe ciumenta é uma constante, quase uma obsessão, na obra de Hitchcock. Aos poucos, a quantidade de pássaros aumenta na tela e começa a aprisionar os humanos. Eles invadem pela chaminé a casa de Mitch, atacam crianças na escola e arrancam os olhos de um fazendeiro (numa cena mais explícita do que o costume de Hitchcock).
Na célebre série de entrevistas ao cineasta francês François Truffaut, Hitchcock diz: “Em ‘Os Pássaros’, agi de modo que o público nunca pudesse adivinhar qual seria a cena seguinte”. Como uma provocação e uma prévia do que está por vir, Hitchcock termina várias cenas evocando a ameaça dos pássaros.
Confira a seguir duas cenas e comentários do próprio Hitchcock, que foram retirados do livro “Hitchcock/Truffaut”.
Durante o ataque das gaivotas no casarão, quando Melanie se refugia dentro de uma cabine telefônica envidraçada, minha intenção é mostrar que ela é como um pássaro numa gaiola […] Assiste-se à reversão do velho conflito entre os homens e os pássaros, e dessa vez os pássaros estão do lado de fora e o humano está dentro da gaiola.
Examinemos a cena, do lado de fora da escola, quando Melanie está sentada e, atrás dela, os corvos se juntam. Melanie, inquieta, entra na escola para avisar a professora. A câmera entra com ela e , um pouco depois, a professora diz às crianças: ‘Agora vocês vão sair, e quando eu pedir que corram, vocês correrão’.
Conduzo a cena até a porta e depois corto para passar só aos corvos, todos juntos, e fico com eles sem cortes e sem que nada aconteça, durante 30 segundos. Mas o que está acontecendo com as crianças, onde elas estão? E só então começamos a ouvir os ruídos de passos de crianças correndo, todos os pássaros levantam voo e os vemos por cima do telhado da escola antes de se jogarem sobre as crianças.